Era Julho, acho. Estava um pouco frio. Levantei-me, com um pouco da noite anterior ainda na cabeça. Tudo o que tinha acontecido martelava como um sino em minha cabeça. Doía, incomodava. Porque tinha que ficar tudo grudado lá?
Como muitas vezes durante a noite insone, me vieram
à mente algumas imagens. Ele, com aquela garota - da qual eu não sabia nada -,
linda, parecia que era tudo o que ele queria. Com aquele shortinho, aquele
cabelo ondulado, as coxas grossas, cinturinha fina. Sorriso largo e lindo. As
madeixas castanhas pareciam brilhar. A maquiagem a deixava mais linda ainda.
Mesmo que a garota me parecesse vulgar de mais, todos os garotos a olhavam. E
parecia que o meu garoto estava gostando de estar ao lado da garota desejada.
Eu não tinha certeza se ele estava com aquele
sorriso enorme porque estava com a garota que amava, ou porque estava com a
garota mais desejada da noite.
Quer saber? Não importa. Afinal, Murilo é um
idiota mesmo. Não sei por que ainda perco o ar toda vez que vejo aquele lindo
sorriso.
Balancei a cabeça, fui até o banheiro. Era
mais ou menos, cinco e quarenta da manhã. Eu havia dormido muito pouco. Aquilo
não era um bom sinal. Tomei um banho gelado rápido, me vesti e me olhei no
espelho.
As mechas roxas estavam todas emaranhadas num
nó horrível em minha nuca. Peguei uma escova e desfiz os nós, pacientemente.
Afinal, tinha bastante tempo.
Depois, dei uma geral. Os olhos castanhos com
leves olheiras abaixo, os lábios mais ou menos, carnudos estavam um pouco
pálidos. Eu estava realmente bem? Peguei um brinco qualquer. E quando fui
colocar, vi que era o certo. O da pimentinha, o preferido, o da sorte. Era um
brinco normal, com um pingente de uma pimenta bem vermelha, nem muito longa,
nem muito curta.
Coloquei os brincos e depois fui escolher dois
mais discretos pros três outros furos. Coloquei-os e me olhei de novo. Eu
estava aceitável. Se ignorasse um pouco as olheiras, os lábios pálidos e a cara
de totalmente morta.
Peguei um blush e dei uma leve passada nas
maçãs do rosto, fiquei com uma aparência melhor. Só mais um gloss. deixaria
tudo muito melhor.
Meus cabelos estavam presos. O que mostrava
meu pescoço magro e o maxilar tenso de mais. Soltei-o. Estavam na altura do
ombro, e deixavam bem à mostra as madeixas roxas na parte de trás da cabeça. Eu
gostava disso.
Fiquei um tempo me arrumando e quando
terminei, deviam ser umas seis e meia. Então peguei minha mochila e desci as
escadas da minha casa até a sala, preguiçosamente. Minha mãe estava fazendo
café na cozinha, e se surpreendeu quando apareci lá, pedindo uma xícara.
- O que foi, Nathalia? Porque acordou tão
cedo?
- Sei lá, mãe. Não tava com sono. – peguei a
xícara e dei um belo gole. Aquilo ajudaria, mais tarde, na aula. E nas conversas
longas com as meninas. – Cadê meu pai? Vai demorar muito pra ele sair pra
trabalhar?
- Não sei, filha. Deve demorar mais uns... 20
minutos.
Ela disse olhando o
relógio. Eu suspirei. Teria de ir a pé. Mais 20 minutos, sentada no sofá
olhando pra TV não ajudaria em nada no meu bom estado mental.
Já estava difícil de ficar sem pensar em
Murilo e a morena gostosona enquanto falava com minha mãe e tomava café.
Terminei a xícara de café em poucos segundos,
escovei os dentes e sentei no sofá, cansada. Depois, parei de tentar não pensar
nele. Levantei-me e fui até a cozinha.
- Mãe, eu vou a pé, ta? Beijos.
- Ok, filha, cuidado.
Dei um beijo rápido na
bochecha da minha mãe e fui correndo até a porta da casa. Estava chovendo.
Torci a boca e coloquei o capuz. Fui andando rapidamente até o colégio – que
ficava a algumas quadras da minha casa -, quando cheguei lá, eram mais ou
menos, seis e quarenta. Vinte minutos.
Qual é? O mundo estava de brincadeira né? Não
bastava ter a opção de vinte minutos em casa, agora eu teria a não opção de
vinte minutos na escola.
Já não bastava ter pensado no garoto que eu
mais amava com outra durante o caminho todo até o colégio? Mas que droga!
Andei um pouco pelo pátio, aonde era coberto,
então encontrei Anita, sentada num banco, vendo seilaoque no caderno. Sorri e
corri até ela.
- Eai, coisa.
Ela levantou os olhos do
caderno e, dois segundos depois, sorriu.
- Oi, nath.
Me sentei ao lado dela,
esperando começar uma longa conversa sobre a festa da noite anterior, ou qualquer
coisa. Como sempre fazíamos.
Anita era minha melhor amiga, ela sabia tudo
sobre mim. Nos conhecíamos desde a quinta série. E agora estávamos começando o
terceiro ano, juntas.
Ela sabia tudo sobre mim, e eu tudo dela.
Éramos como irmãs.
Como eu esperava, ela começou a falar:
- Você viu o Murilo com a Lucia?
- Lucia? Esse é o nome dela?
- Sim, amiga. Aquela garota é mais rodada que
roda de caminhão.
Eu ri da comparação idiota
da Anita. Ela sempre fazia comparações ridículas como essa.
- Que foi? Porque ta rindo?
- Nada, Ani. Eai, quem já pegou ela?
- Murilo, Pedro, João, Matheus, Pablo, Lucas,
Marcelo, Carlos, Ítal...
- Perai, TUDO ISSO?
Eu a interrompi.
- Pois é... E isso é só da nossa área. Imagina
os que ela já beijou que a gente não conhece?
Cruzei as pernas e mordi o
lábio, nervosa.
- E o Murilo ainda tem coragem de sair com
essa garota?
Anita arranhou a calça e
deu um sorriso amarelo. Aquilo nunca era bom sinal. Estralei os dedos e me
preparei.
- O que tem a mais?
Ela olhou pra baixo, ainda
arranhando a calça na altura da coxa.
- Parece que eles estão meio que ficando,
Nath.
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